sábado, 17 de abril de 2010

Brasil "nouveau-riche"

Por Ruy Castro

Historicamente atrasado alguns anos em relação à tecnologia, não estou com a menor pressa para ver ou ter uma TV 3D. A vida real sempre foi em 3D, e o ser humano nunca passou de bidimensional.


A história se repete. Em 1927, logo que a Warner lançou "O Cantor de Jazz", o primeiro filme "falado" -na verdade, um filme 90% silencioso, com umas poucas sequências cantadas por Al Jolson-, os outros estúdios correram para aplicar algum som a seus filmes mudos e se beneficiar da onda. Somente em 1930, com o musical "Melodia da Broadway", surgiram os filmes 100% sonoros.
Agora, com o 3D, dá-se a mesma coisa. Por causa do sucesso de "Avatar" (que ainda não me dei à pachorra de prestigiar), os estúdios disputam para ver quem converte mais filmes comuns, em 2D, para a nova tecnologia -um desses o "Alice", de Tim Burton. Pelo que ouvi dizer, a conversão é pífia: a imagem é opaca, o fundo, chapado, e os atores, perseguidos por "fantasmas", como as das TVs antigas. Em comum com o 3D de verdade, só as dores de cabeça e a náusea.
Mas o cinema não passa de um boi de piranha nesse processo. O que interessa à indústria não é o sucesso desse ou daquele filme, mas difundir o 3D em função da televisão -dos novos aparelhos que logo tomarão o mercado, tornando insuportável a vida de quem não tiver um. Como aconteceu quando chegou a TV em cores, rebaixando para a segunda divisão os proprietários de aparelhos em preto e branco.
Tomei um táxi outro dia -o motorista e sua esposa já estão economizando para comprar uma TV 3D, e só lamentam que a próxima Copa do Mundo ainda será vista na reles, ultrapassada tela plana. O Brasil "nouveau-riche" não se contém e não sossegará enquanto não se transformar numa imensa Casas Bahia.
Historicamente atrasado alguns anos em relação à tecnologia, não estou com a menor pressa para ver ou ter uma TV 3D. A vida real sempre foi em 3D, e o ser humano nunca passou de bidimensional.

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