segunda-feira, 30 de março de 2009

Em busca do Rumo


Formado por estudantes da USP, o Rumo foi um dos grupos de destaque da chamada Vanguarda Paulista, uma geração reunida em torno do teatro Lira Paulistana entre os anos 70 e 80. Nesse time havia, entre outros, Itamar Assumpção (morto em 2003), Arrigo Barnabé (que nunca tocou no Lira, mas circulava por lá e acabou associado a eles), os grupos Premeditando o Breque, Sossega Leão, Metalurgia e um tal de Titãs do Iê-iê-iê, além de Ultraje a Rigor.

Depois do "Rumo ao Vivo" (1992), cada um dos integrantes do Rumo foi cuidar da vida sozinho, nem todos na música. Luiz Tatit e Ná Ozzetti tocam as carreiras individuais (Tatit, em paralelo à carreira de professor na USP); Paulo Tatit partiu para a música infantil (de ótima qualidade) no selo Palavra Cantada (com Sandra Peres), Hélio Ziskind (sopros) também partiu para música infantil (tem dois discos e são dele as trilhas do Castelo Rá-tim-Bum e Glub Glub, programas da TV Cultura); Gal Oppido, o baterista, segue na fotografia; Pedro Mourão (percussão), Akira Ueno (guitarra) e Ricardo Breim (teclados, da segunda formação) atuam em escolas de música; Fábio Tagliaferri (violão e composição, também da segunda formação) segue carreira-solo; Zecarlos Ribeiro (voz/violão) montou escritório de arquitetura e Geraldo Leite (voz) uma empresa de comunicação. Ciça Tuccori, cantora da primeira formação, morreu.

O som do Rumo preconizava o antigo pelo novo. Buscava a música enfronhada nas palavras por meio do chamado canto-falado. Os dois primeiros álbuns do grupo são emblemáticos. Lançados simultaneamente em 1981, o primeiro, homônimo, reunia composições do grupo, com Luiz Tatit e Zecarlos Ribeiro à frente. Crônicas desconcertantes, com humor e ironia ferinos.

O outro, “Rumo aos Antigos” mostrou outra face marcante do grupo: as pesquisas e releituras inventivas de canções de Sinhô, Lamartine Babo, Noel Rosa, Vadico e outros lumiares da canção brasileira dos anos 30. Os seguintes, “Diletantismo” (1983) e “Caprichoso” (1985) mantiveram a linha autoral até o derradeiro ao vivo, de 92 (antes, saiu o infantil “Quero Passear” (88), que pavimentou os talentos de Ziskind e Paulo Tatit (irmão de Luiz) para falar às crianças).

Fonte: Carta Maior

Rumo no Youtube:
Ah
Delírio, meu
Falta alguma coisa
Quantos beijos
Bem baixinho
Carnaval do Geraldo
Essa é pra acabar

Duetos mais que perfeitos: Ná Ozzetti e André Mehmari



Mais Ná e André:

Rosa
Eternamente

O Rei (?) e Sua Estupidez



Nunca achei que o RC fosse rei de nada. Até cantarolo suas musiquinhas no chuveiro, mas sempre me incomodou o tratamento dado ao cantor, considerado um semideus.

Nunca vi o cidadão RC falando ou fazendo nada de relevante, o que também não me permite admirá-lo como pessoa.

Até as coisas estúpidas de sua rotina de celebridade são insossas. Seus TOCs são insossos. Não veste roupa marrom...

Diz a lenda que o "rei" se aborreceu com Cartola por causa da letra de "As rosas não falam". "Como não falam, bicho? Eu vivo conversando com as minhas roseiras", teria dito.

Em 2007, RC proibiu o lançamento de sua biografia, escrita por Paulo Cesar Araújo. Alegou que o livro expunha a intimidade de pessoas com as quais conviveu.
Na época confesso que fiquei meio dividido. Apesar de saber que pessoas públicas de todo o mundo têm suas vidas escancaradas em biografias não autorizadas, entendo que o cara queira ter o controle sobre a história da sua vida - e até mesmo ter a prerrogativa de conta-la.

Mas no sábado tive mais uma demonstração de que o sujeito é mesmo um babaca empedernido. Em um show no Centro Cultural Aúthos Pagano, a cantora Ná Ozzetti revelou que seu primeiro CD, "Ná Ozzetti", de 1988, não pode ser relançado porque o "rei" não autoriza a utilização de "Sua estupidez", que abre o disco.

Ou seja: o "rei" é o responsável pelo sepultamento de um dos mais belos trabalhos de Ná Ozzetti, que recebeu o Prêmio Sharp de "cantora revelação" pelo disco.

RC, utilizo "Sua estupidez" para falar ao seu coração:

"Quantas vezes eu tentei falar
Que no mundo não há mais lugar
Prá quem toma decisões na vida sem pensar
Conte ao menos até três
Se precisar conte outra vez
Mas pense outra vez
Meu bem
Meu bem
Meu bem..."


Conheça o disco "Ná Ozzetti", sepultado por RC

Uma descoberta: Centro Cultural Aúthos Pagano


Localizado em uma tranquila casa no Alto da Lapa, o Centro Cultural Aúthos Pagano oferece cursos, palestras, shows e outras atividades culturais. E o principal: tudo é gratuito.

No sábado tive a oportunidade de participar do projeto "Conversa com Verso", que recebeu a maravilhosa Ná Ozzetti. Em um espaço intimista, Ná apresentou suas canções e conversou com a platéia sobre sua carreira, que começou em 1979 no lendário Grupo Rumo.

No dia 7/4 tem início o curso "História da MPB: seresta, batuque e choro", com André Domingues. Imperdível!

Programação completa

Boneca de Piche - Ná Ozzeti



Do show Balangandãs, em homenagem a Carmem Miranda

Mais Ná:

Sutil
Nós
Milágrimas
Brincadeira
O tic-tac do meu coração
Disseram que voltei americanizada
Apanhei-te cavaquinho
Crápula
Fé cega, faca amolada / Ponteio
Pescador
Estopim
Anima
Viola Quebrada
Baby

quinta-feira, 26 de março de 2009

Duetos mais que perfeitos: Marisa e Paulinho



Carinhoso
Dança da solidão
Para ver as meninas
Não quero você assim

Outros duetos do Paulinho

Marina - Para um amor no Recife
Zizi - Só o tempo

Camilices: Carinhoso





Criança pequena é jogo duro para comer. Os pobres pais se esforçam para oferecer uma dieta saudável e variada, com carne, leite – e derivados -, ovos, legumes, verduras e frutas, como manda o figurino.

Só que na prática a teoria é outra. Toda refeição costuma ser um desafio e uma simples folha de rúcula precisa ser negociada.

E tudo se torna ainda mais difícil quando a vovó está na área. “Pai educa, vó estraga”, vive dizendo a vó Bibi, que coloca no prato da Camila todas as besteiras que ela adora comer.

Dia desses fomos almoçar em um quilo e procurei fazer um prato balanceado, com tomate – que ela adora -, uma carninha, arroz, feijão, rúcula e umas batatinhas – para não ser muito sacana. Resolvi acrescentar uns corações de galinha, que haviam acabado de sair da grelha.

Já na mesa, me dei conta que a Camila nunca havia comido coração. Para driblar sua resistência, comecei a fazer uma preleção:
- Olha que delícia, Camila, essa carninha que acabou de sair da churrasqueira.
- Que é isso, papai?
- É galinha, filha.
- Mas que parte da galinha? Nunca vi isso...
- É... coração.
Ela começou a mastigar uma batatinha e disparou:
- Papai, agora a galinha não vai mais amar o galo??????????
Para minha surpresa, ela devorou o coração.

terça-feira, 24 de março de 2009

Bom de ver e ouvir: Sr. Brasil


Sr. Brasil por Rolando Boldrin


"A base do programa Sr. Brasil são os ritmos e temas regionais brasileiros. E vale tudo já escrito em prosa, verso e música - e até história a ser contada.
O programa é vasto, aberto, receptivo. Ele só não se permite o que não seja genuinamente nacional.
E aí entram discussões infindáveis. Porque além do charme da metrópole, muita coisa existe para confundir a identidade brasileira, incluindo-se os interesses comerciais. Por exemplo, musica sertaneja e musica caipira.
Coisa danada pra confundir. Entenda-se por musica sertaneja de alto consumo aquela que, originária da caipira, foi se vendendo aos poucos, perdendo suas características em função do apelo comercial. Envergonhada da sua condição de matuta, botou roupa de cowboy, postura madrilena e ritmo de guarânia.
Porque simples, aberto, despojado, sem rigidez de estrutura, Sr. Brasil tem uma proposta absoluta e propositadamente fechada a exemplo dos programas anteriores de Rolando Boldrin "Som Brasil", "Empório Brasil" e outros. Aqui só entram as manifestações da cultura regional brasileira.
A idéia do projeto é não ter qualquer preconceito contra intérprete ou ritmo. Os nossos materiais são os ritmos e os temas brasileiros. Se tivermos que colocar algo, vamos colocar o nosso. Pode ser até um projeto pretensioso, audacioso. Mas é a idéia. O programa não é rígido em termos de intérprete. Onde ele se fecha e na seleção musical, repertório, na sua concepção. Na prática, o seu leque é amplo, bastante abrangente. Não é só música caipira. São as manifestações regionais. Nele cabem, o Renato Teixeira, o Milton Nascimento, o Dominguinhos, o Chico Buarque, a Diana Pequeno, uma lista enorme de pessoas que fazem um trabalho ligado á cultura popular brasileira.
Nem só isso. Entram causos, trechos de autores brasileiros- inclusive os clássicos -, dança, peças de teatro, documentários (de importância ecológica), curtas etc. Mais uma lista infindável, levando-se em conta a riqueza cultural e natural do Brasil, um país que por sua extensão e variedade, seria mais corretamente reconhecido como continente.
Mas a idéia central é de um musical. Embora tenha, em determinados momentos esses vários temas. É um velho no interior de Minas que crava viola à mão. Mas ele também canta. Quer dizer, uma informação que se insere na proposta do programa."
"Não há país no mundo igual ao Brasil. Somos a mistura mais maravilhosa da Terra."

Saiba mais sobre Boldrin e sobre o Sr. Brasil

Serviço:
Terças-feiras às 22h10 e reapresentação aos domingos às 10h00.

O Bandolim do Nassif



Blog do Nassif

Uma artista talentosa


Ciça Alves da Cunha - Tapajó

Mais preciosidades da Ciça

segunda-feira, 23 de março de 2009

Bom de ver: Walter Firmo no Afro Brasil

Marina Montini, musa de Di Cavalcanti

Está em cartaz no Museu Afro Brasil a exposição "Walter Firmo em Preto e Branco", que reúne 60 imagens do carioca que já fotografou de Arthur Bispo do Rosário a Bob Marley, passando por Pixinguinha, Cartola e Madame Satã. Junto com a mostra, ele lança um livro "Brasil - Imagens da Terra e do Povo", com 260 fotos selecionadas por Emanoel Araujo, diretor-curador do museu.



MUSEU AFRO BRASIL
ONDE: Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega, parque do Ibirapuera, portão 10, tel.: 0/XX/11/5579-0593, museuafrobrasil.com.br
QUANDO: Abre na quinta (20.11). De terça a domingo, das 10h às 17h.
QUANTO: Grátis

sexta-feira, 20 de março de 2009

Bom de ouvir: Cris Aflalo




Quatro anos depois de lançar o seu primeiro e elogiado cd, "Só Xerêm", Cris Aflalo reaparece no cenário musical com seu novo disco "Quase Tudo Dá".

Produzido a quatro mãos, por Luiz Waack e pela própria cantora, esse novo trabalho vem mostrar a Cris no seu tempo, com todas as suas influências misturadas, mas sem jamais perder a alegria e a brejeirice singela e brasileira do disco anterior.

Orgânico e sem modismos, o swingado cd traz releituras de composições de Arnaldo Antunes, Carlos Careqa, Lula Queiroga, Gilberto Gil e Caetano Veloso, entre outros, e ainda marca a estréia de Cris como compositora.

Veja/ ouça

Mais informações sobre a Cris

quarta-feira, 18 de março de 2009

Comovente, inspirador



Conheci Andrea Del Fuego no maravilhoso Entrelinhas, da Cultura.

Ao tentar saber mais sobre ela, encontrei seu blog, e nele um postdesconcertante, que reproduzo:

Nó desatado - Tays Lourenço

Você está em casa pensando nos livros que escreveu e escreve, nos que demoram ou nunca serão publicados. Nos que serão publicados e não serão lidos. Nos que serão lidos e não serão bons. Nos que serão bons e não serão distribuídos. Na coisa toda. No blog como o que resta e deve ser fortalecido e talvez não tenha que ser feito para conter a força que nos interessa, os livros.

E então recebo esse livro da Thays Lourenço, uma leitora de Goiânia, ela acompanha esse blog e seguiu a mininovela Nó que publiquei aqui há algum tempo. O que era post ela transformou em livro de um único exemplar e me enviou.

Preste atenção, o post virou livro não pelo autor do blog, mas pela leitora. A leitora envia o único exemplar para a autora do blog. A autora fotografa o livro e faz dele um... post.

Caso fosse sonho eu o interpretaria assim: a materialização de suas forças se dão longe de você, mas você as alcança adiante.

Caso fosse um I-Ching, assim: a força que foi enviada para uma plataforma julgada frágil ricocheteia no que é rígido (a sensibilidade da leitora) e volta com a força inicial de quem a desprendeu mais a força do outro. A força desprendida, quando solta, ganha corpo e aumenta. O que se sopra, quando volta, ainda não está no fim.

Eu sei o que dizer, a Thays sonha como eu. Thays, OBRIGADA!

Comentário: O mal venceu, mas pessoas como Andrea e Thays nos dão a impressão de que a batalha ainda vale a pena.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Esta Velha Angústia

Fernando Pessoa

Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.

Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

Ouça

quarta-feira, 11 de março de 2009

terça-feira, 10 de março de 2009

Um lugar de tirar o fôlego

Museu Dali, em Figueras
Sala Mae West

Localizado em Figueras (136 km de Barcelona), cidade natal de Salvador Dali, o museu ocupa um casarão que abrigou um teatro bombardeado durante a Guerra Civil Espanhola. Aberto em 1974, abriga a maior e mais diversificada coleção de obras do artista, incluindo esculturas, colagens e mobiliário. Os restos mortais de Dalí estão enterrados lá.
Estive no Museu Dali em 1995. É um dos lugares mais impressionantes que conheci.


http://www.salvador-dali.org/museus/figueres/index.html

http://www.youtube.com/watch?v=lawUeiMYNyw

segunda-feira, 9 de março de 2009

Gisella, uma deliciosa descoberta



A passagem de Gisella
por Carlos Calado

De vez em quando, a vida nos oferece a oportunidade de trilhar um caminho inesperado. Algo semelhante aconteceu com Gisella Gonçalves. Treze anos atrás, ela se afastou da cena musical de Belo Horizonte, onde atuava como cantora, para seguir uma bem-sucedida carreira de executiva na área de comércio exterior. No entanto, a paixão pela música foi mais forte: com uma boa dose de coragem e o incentivo de antigos parceiros do meio musical, ela decidiu retomar a carreira de cantora, aos 39 anos. Leia mais


http://www.gisella.com.br/

http://www.youtube.com/watch?v=WG2R81zuEm4

http://www.youtube.com/watch?v=p_Vj-ShcaXs

http://www.youtube.com/watch?v=tntzYkLMQ2Q

quinta-feira, 5 de março de 2009

O leitor e a vergonha

Por Dulce Critelli

[...] SE ELA SILENCIA SOBRE O QUE PODE AFETAR SEU PRÓPRIO DESTINO, ELE SILENCIA SOBRE O QUE PODE MUDAR O DELA


Anos 50. Um garoto de 15 anos, classe média, apaixona-se por uma mulher com o dobro da sua idade. Ela é pobre, cobradora de bonde. Rude, séria, inicia-o numa vida onde cabem sexo, amor, interesses comuns.
Ele lê para ela. Ela o faz saber que ele é bom leitor. Ele nada sabe da vida dela. Talvez por isso não entenda por que um dia ela vai embora, sem despedida, sem recado.
Anos mais tarde, estudante de direito, ele assiste a um julgamento. Para sua surpresa, ela é uma das acusadas. Ao longo das sessões, descobre que ela é analfabeta. E, também, a vergonha que ela sente. Para encobri-la, ela assume sozinha a culpa de crimes pelos quais ela e outras mulheres são julgadas.
Ele poderia ter dito o que sabia, mas se cala para não se tornar o agente da exposição da vergonha dela. E para não revelar o que viera escondendo: que a conhecia e a amara.
A vergonha dele era mais superficial: não queria ser desqualificado pelos outros se soubessem de suas relações com ela. A dela era uma vergonha estrutural, uma vergonha de si.
Ser analfabeta a desfigurava no mais profundo do seu ser.
Ambos se calam diante do que os envergonha. Mas, se ela silencia sobre o que pode afetar seu próprio destino, ele silencia sobre o que pode mudar o dela.
O analfabetismo dela a mantém ignorante sobre o que se passa no mundo e sobre o real alcance de suas decisões. Quase a desculpa. Assim como sua prisão quase a absolve. Mas o saber dele o condena a uma culpa sem perdão nem liberdade.
"O Leitor" é um grande filme. O nazismo é seu pano de fundo, mas esse acontecimento poderia ser substituído por outro sem mudar a história. É um bom filme porque a questão central é a de todos nós.
Quem não experimentou alguma vergonha profunda em relação a si mesmo? Quem, para esconder aquilo de que se envergonhou, não agiu contra si mesmo? E contra os outros?
Quem não agiu e, portanto, não determinou seu destino por ignorância dos fatos?
Quem de nós não se omitiu diante de algo que poderia interferir favoravelmente no destino de outra pessoa? A questão central do filme gira em torno do que torna dramática a existência humana: o fato de que tudo o que fazemos (e dizemos) é fruto de uma escolha e tem consequências.
Mesmo quando nos calamos ou nos omitimos. Mesmo quando as consequências não foram intencionais.
Em dois momentos, no filme, uma tese se afirma: não importa o que sentimos ou o que pensamos, mas o que fazemos.
Não importa mesmo. O que se passa dentro de nós não tem expressão no mundo. Só nossos atos e suas consequências aparecem e, deste modo, existem, porque há um leitor, um expectador que descubra algum sentido para o que fazemos. Portanto, para quem somos.
Dos nossos sentimentos, pensamentos e intenções, só nós sabemos. Somos seus únicos leitores. Que outra explicação para as vergonhas que sentimos? Ou para as culpas que carregamos?

DULCE CRITELLI , terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC-SP, é autora de "Educação e Dominação Cultural" e "Analítica do Sentido" e coordenadora do Existentia - Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana

dulcecritelli@existentia.com.br