quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Universo Paralelo: Tecnologia conecta aldeias


A vida está mudando na aldeia indígena Itapoã, em Olivença, Ilhéus, sul da Bahia. Por lá, a rede de deitar se somou à rede virtual. E, no lugar do arco e flecha, mouse e PC.
Mas eles não param por aí. Enquanto aguardam o orelhão que ainda não chegou à comunidade, fazem filmes com celulares. Munidos de 60 telefones móveis, notebooks e minimodens, quase uma centena de indígenas tupinambás e de mais 24 etnias em 12 Estados brasileiros já produziram mais de 200 filmes. A maioria, curtas-metragens, com duração que varia entre três e dez minutos.
A produção robusta -toda ela elaborada em 2009- é resultado do projeto Celulares Indígenas, iniciativa da rede Índios Online (www.indiosonline.org.br), portal colaborativo que facilita a comunicação e o acesso à informação de dezenas de etnias na internet.
A onda tecnológica que toma conta da aldeia tupinambá em Ilhéus vai receber em breve um reforço extra. No próximo dia 26, a comunidade inaugura o espaço que se tornará a base das produções e experimentações dos indígenas com novas tecnologias e mídias. O nome dado ao lugar, não por acaso, é Ciberoca.
Para os indígenas, a construção do novo espaço representa um avanço importante no tipo de uso que eles fazem das tecnologias. "Com novos recursos, teremos mais condições de reivindicarmos melhorias para nosso povo", afirma Alex Tupinambá, coordenador da rede Índios Online. O entusiasmo começa a avançar também para fora da aldeia tupinambá.
Na mesma semana, um telecentro com mais de dez computadores começa a funcionar em uma comunidade indígena localizada em São José da Vitória, uma das regiões mais pobres do país. Vizinho de Ilhéus, o município tem um dos menores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, segundo dados de 2000 do Atlas de Desenvolvimento Humano, do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

Protesto na rede leva a mudanças reais


"Internet é melhor que a televisão. Enquanto uma dá autonomia e liberdade, a outra impõe, aliena". É assim que Yakuy Tupinambá define a tecnologia, responsável por uma série de melhorias nas aldeias a que chegou.
É o caso de um posto de saúde na aldeia Brejo dos Padres, dos índios pankararu, em Pernambuco. Há tempos o lugar encontrava-se sem atendimento por falta de profissionais e infraestrutura. "Medicamentos eram estocados em área imprópria, médicos quando apareciam não podiam atender por causa da falta de condições do prédio, acabou ficando abandonado", conta Alex Pankararu.
Foi por meio da internet que a comunidade conseguiu mudar a situação. "Colocamos várias matérias no site", lembra Pankararu. "Já havíamos reclamado diversas vezes à Funasa (Fundação Nacional de Saúde), mas não recebíamos resposta". Depois que foram parar na internet texto e imagens denunciando a infraestrutura decadente do lugar, a solução veio.
Na aldeia tupinambá, o uso da internet tem o respaldo de uma importante entusiasta, a cacique Maria Valdelici de Amaral, ou Jamopoty -seu nome indígena-, que representa 5.000 índios tupinambás de três aldeias em Ilhéus. Ela diz que nem se aproxima muito do computador, mas que está de olho no que circula na rede. "Fico atenta a tudo que interesse à comunidade".
Yakuy Tupinambá conta que teve seu primeiro contato com a internet há apenas quatro anos, com a rede Índios Online. Ela participou das primeiras oficinas do projeto e, desde então, não largou mais o computador e abraçou o ativismo na rede. Ela se define hoje uma "ciberativista".
"Por meio da rede colaboro para que meu povo tenha uma vida digna, que seja respeitado". Com a internet, a rede está avançando. "Falamos com aldeias de todas as regiões do Brasil e com indígenas da América da Sul, da Europa, dos EUA e da Nova Zelândia."
A rede Índios Online participou em agosto deste ano do evento Ciclo Era Digital, promovido pela USP, sobre tecnologia e inclusão social. Ao lado de nomes como Pierre Lévy, Yakuy falou sobre as experiências com o mundo digital.
O otimismo de Yakuy é oportuno, afinal, problemas para resolver não faltam. Na aldeia de Ilhéus, a construção de um núcleo educacional com duas salas de aula só saiu depois de muita reclamação na internet. De acordo com Yakuy, tudo esbarra na questão fundiária. A área em que a aldeia está localizada ainda não é considerada território indígena. O longo processo de demarcação de terras ainda está no início e a previsão é de turbulências.
"Fazendeiros e o setor de hotéis são contrários, e o clima está cada vez mais tenso", conta Yakuy. Há quem acredite que o novo imbróglio fundiário ganhe proporção semelhante ao caso da área Raposa/ Serra do Sol, em Roraima, em que uma decisão favorável à demarcação deu início a uma tensa disputa entre grupos indígenas e agricultores que ocupavam a região.

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