Sentado à mesa de um café carioca, o poeta Manuel Bandeira ouviu: “Seu Schimidt, vá por mim! Aquele sujeito é do exército do Pará”. A afirmação vinha de Jayme Ovalle, que, dirigindo-se ao poeta Augusto Frederico Schimidt, tecia uma complexa teoria, a Nova Gnomonia.
Conhecido por passar graxa no cabelo e ter conversas com o anjo da guarda no meio da rua, o compositor paraense influenciou gerações de intelectuais, a começar pelo próprio Bandeira, que mais tarde lhe dedicaria o Poema Só para Jayme Ovalle.
Naquela tarde, Bandeira acompanhou o desenrolar da teoria que o compositor expunha no bar. E tratou de registrá-la em uma crônica que movimentou a intelectualidade brasileira dos anos 1930. Nela, relata a classificação dos tipos humanos em cinco categorias, de acordo com Ovalle:
Exército do Pará: formado por “esses homenzinhos terríveis que vêm do Norte para vencer na capital da República”. Hábeis, buscam o “sucesso material, ou a glória literária, ou o domínio político”.
Dantas: “são homens de ânimo puro, nobres e desprendidos, indiferentes ao sucesso da vida. Toda gente quer ser Dantas.”
Kernianos: “impulsivos por excelência. Apesar de terem bom coração, se deixam arrastar à prática dos atos mais condenáveis.”
Mozarlescos: tipo de gente que dá aos observadores “uma impressão de coisas consideráveis, o que, no entanto, não corresponde o conteúdo das suas palavras ou das suas ações”.
Onésimos: quando um deles aparece, duvida, sorri, desaponta. Sofrem de um drama íntimo: não encontrar nunca uma finalidade na vida.
Da Nova Gnomonia, Vinicius de Moares – que herdou do amigo Ovalle o costume de falar no diminutivo – escreveu: Constitui a grande contribuição do Brasil à filosofia do conhecimento do universo.
Instado a dizer se pertencia ao Exército do Pará, o escritor Graciliano Ramos desconversou: “Está claro que existe um ‘Exército do Pará’. Na maioria dos casos, porém, os seus milicianos já chegam feitos do Norte. E, no Rio, em geral definham, tornam-se mofinos. Ignoro se também sou ‘Pará’. Nunca fiz coisa que prestasse, mas ainda assim o pouco que fiz foi lá e não aqui”.
Mais do que contribuições como a teoria da Nova Gnomonia, 33 músicas (entre elas Azulão, com Manuel Bandeira) e poemas em inglês – idioma que não dominava –, a grande criação de Ovalle foi a própria vida, contada no livro O Santo Sujo – A vida de Jayme Ovalle, de Humberto Werneck. Entre a paixão (e a traição) por uma pomba, as discussões com Deus e o trabalho como funcionário público exemplar, lia a Bíblia fazendo anotações. Pretendia reescrevê-la.
Fonte:Crônicas da Província do Brasil, de Manuel Bandeira (Cosac Naify, 2006)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário