sexta-feira, 30 de outubro de 2009
O turista e o peregrino
ROSELY SAYÃO
[...] HOJE, MAL UM FILHO NASCE E OS PAIS JÁ SE PREOCUPAM COM O FIM DE SUA JORNADA
O mundo em que vivemos afeta profundamente a maneira de ser e de viver de cada um de nós e nem sempre nos damos conta disso. As decisões que tomamos diariamente, as escolhas que fazemos, as interpretações que damos aos acontecimentos são influenciadas pelo contexto social e cultural.
Isso quer dizer que os estilos de vida que adotamos também estão marcados pela maneira como o mundo se constitui.
As metáforas ajudam a compreender melhor as transformações que ocorreram e que estão em curso no nosso modo de viver. Zygmunt Bauman, pensador contemporâneo, construiu uma que ajuda a dar sentido e a interpretar a diferença entre o modo de estar no mundo décadas atrás e agora.
Para isso, ele contrapõe as imagens do peregrino e do turista.
O peregrino, figura característica de um mundo em extinção, é quem escolhe viajar em busca de algo para melhorar ou dar sentido à sua vida. Em sua árdua e longa jornada, que não tem prazo para terminar, ele não tem pressa e seu trajeto importa mais do que sua chegada, que ele não sabe quando nem onde ocorrerá.
Já o turista -figura marcante dos tempos atuais- viaja por diversão e com data marcada para voltar, escolhe seu destino por curiosidade ou influência do mercado de consumo do lazer e seu trajeto é apenas o modo de chegar a seu destino.
Qualquer contratempo nos planos do turista é vivido de forma dramática. Vou usar essa metáfora para compreender um pouco as mudanças dos papéis de mãe e de pai na atualidade.
Hoje, mal um filho nasce e os pais já se preocupam com o fim de sua jornada, que equivale a entregar o filho ao mundo para que ele viva por conta própria e com autonomia. Desse modo, pais de crianças muito pequenas procuram escolas que as preparem para o vestibular e o Enem, enchem seus filhos de atividades que os ajudem a enfrentar o futuro mercado de trabalho, programam com antecedência e em pormenores sua vida para realizar tudo o que planejaram para o filho.
Pais de crianças que resistem -por seu modo de ser- a tais planos frustram-se, sentem-se fracassados, usam de muitos artifícios para tentar resgatar o caminho originalmente traçado ou desistem precocemente de sua viagem. Preparar o filho para o futuro tornou-se, por força das pressões externas, missão mais importante do que conhecer e ouvir o filho, estar com ele, construir um vínculo afetivo. Essa imagem é muito parecida com a do turista, não?
Há pais que não pensam no fim de sua jornada a não ser quando constatam que ela terminou. Sabem que seu trajeto será longo e árduo, não têm pressa, encaram as vicissitudes como parte da caminhada, ligam-se mais ao filho que têm do que àquele que ele será. Esse modo de se relacionar com a paternidade tem mais relação com a imagem do peregrino, portanto.
É possível escolher ser mais peregrino na vida com os filhos do que turista, mesmo com as influências que sofremos. Para isso, entretanto, é preciso refletir e resistir a muitas pressões do mundo em que vivemos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@uol.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
[...] HOJE, MAL UM FILHO NASCE E OS PAIS JÁ SE PREOCUPAM COM O FIM DE SUA JORNADA
O mundo em que vivemos afeta profundamente a maneira de ser e de viver de cada um de nós e nem sempre nos damos conta disso. As decisões que tomamos diariamente, as escolhas que fazemos, as interpretações que damos aos acontecimentos são influenciadas pelo contexto social e cultural.
Isso quer dizer que os estilos de vida que adotamos também estão marcados pela maneira como o mundo se constitui.
As metáforas ajudam a compreender melhor as transformações que ocorreram e que estão em curso no nosso modo de viver. Zygmunt Bauman, pensador contemporâneo, construiu uma que ajuda a dar sentido e a interpretar a diferença entre o modo de estar no mundo décadas atrás e agora.
Para isso, ele contrapõe as imagens do peregrino e do turista.
O peregrino, figura característica de um mundo em extinção, é quem escolhe viajar em busca de algo para melhorar ou dar sentido à sua vida. Em sua árdua e longa jornada, que não tem prazo para terminar, ele não tem pressa e seu trajeto importa mais do que sua chegada, que ele não sabe quando nem onde ocorrerá.
Já o turista -figura marcante dos tempos atuais- viaja por diversão e com data marcada para voltar, escolhe seu destino por curiosidade ou influência do mercado de consumo do lazer e seu trajeto é apenas o modo de chegar a seu destino.
Qualquer contratempo nos planos do turista é vivido de forma dramática. Vou usar essa metáfora para compreender um pouco as mudanças dos papéis de mãe e de pai na atualidade.
Hoje, mal um filho nasce e os pais já se preocupam com o fim de sua jornada, que equivale a entregar o filho ao mundo para que ele viva por conta própria e com autonomia. Desse modo, pais de crianças muito pequenas procuram escolas que as preparem para o vestibular e o Enem, enchem seus filhos de atividades que os ajudem a enfrentar o futuro mercado de trabalho, programam com antecedência e em pormenores sua vida para realizar tudo o que planejaram para o filho.
Pais de crianças que resistem -por seu modo de ser- a tais planos frustram-se, sentem-se fracassados, usam de muitos artifícios para tentar resgatar o caminho originalmente traçado ou desistem precocemente de sua viagem. Preparar o filho para o futuro tornou-se, por força das pressões externas, missão mais importante do que conhecer e ouvir o filho, estar com ele, construir um vínculo afetivo. Essa imagem é muito parecida com a do turista, não?
Há pais que não pensam no fim de sua jornada a não ser quando constatam que ela terminou. Sabem que seu trajeto será longo e árduo, não têm pressa, encaram as vicissitudes como parte da caminhada, ligam-se mais ao filho que têm do que àquele que ele será. Esse modo de se relacionar com a paternidade tem mais relação com a imagem do peregrino, portanto.
É possível escolher ser mais peregrino na vida com os filhos do que turista, mesmo com as influências que sofremos. Para isso, entretanto, é preciso refletir e resistir a muitas pressões do mundo em que vivemos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@uol.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Leminski disse
O poliglota analfabeto, de tanto virar o mundo, ver as coisas e falar os papos, parou para pensar ao pé de uma montanha. Assaltaram-no dois pensamentos. Um na língua materna, outro em língua estrangeira. O primeiro fez a pergunta, o outro respondeu. Resultado: sou pai de minhas perguntas e filho de minhas respostas.
***
Acordei bemol
Tudo estava sustenido
Sol fazia
Só não fazia sentido.
Ocupação Paulo Leminski: até 8 de novembro, no Itaú Cultural.
terça-feira, 27 de outubro de 2009
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Auto-Retrato Falado
Obra de Wesley Duke Lee
Manoel de Barros
Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão,
aves, pessoas humildes, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar
entre pedras e lagartos.
Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto
meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou
abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que
fui salvo.
Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado.
Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral porque só faço
coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.
Manoel de Barros
Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão,
aves, pessoas humildes, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar
entre pedras e lagartos.
Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto
meio desonrado e fujo para o Pantanal onde sou
abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que
fui salvo.
Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado.
Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral porque só faço
coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Se você não gosta do Stédile, escute o Bresser
Indignação com as laranjeiras
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Por que não nos indignamos com a captura do patrimônio público que ocorre todos os dias em nosso país?
HÁ UMA semana, duas queridas amigas disseram-me da sua indignação contra os invasores de uma fazenda e a destruição de pés de laranja. Uma delas perguntou-me antes de qualquer outra palavra: "E as laranjeiras?" -como se na pergunta tudo estivesse dito.
Essa reação foi provavelmente repetida por muitos brasileiros que viram na TV aquelas cenas. Não vou defender o MST pela ação, embora esteja claro para mim que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é uma das únicas organizações a, de fato, defender os pobres no Brasil. Mas não vou também condená-lo ao fogo do inferno. Não aceito a transformação das laranjeiras em novos cordeiros imolados pela "fúria de militantes irracionais".
Quando ouvi o relato indignado, perguntei à amiga por que o MST havia feito aquilo. Sua resposta foi o que ouvira na TV de uma das mulheres que participara da invasão: "Para plantar feijão". Não tinha outra resposta porque o noticiário televisivo omitiu as razões: primeiro, que a fazenda é fruto de grilagem contestada pelo Incra; segundo, que, conforme a frase igualmente indignada de um dos dirigentes do MST publicada nesta Folha em 11 deste mês, "transformaram suco de laranja em seres humanos, como se nós tivéssemos destruído uma geração; o que o MST quis demonstrar foi que somos contra a monocultura".
Talvez os dois argumentos não sejam suficientes para justificar a ação, mas não devemos esquecer que a lógica dos movimentos populares implica sempre algum desrespeito à lei. Não deixa de ser surpreendente indignação tão grande contra ofensa tão pequena se a comparamos, por exemplo, com o pagamento, pelo Estado brasileiro, de bilhões de reais em juros calculados segundo taxas injustificáveis ou com a formação de cartéis para ganhar concorrências públicas ou com remunerações a funcionários públicos que nada têm a ver com o valor de seu trabalho.
Por que não nos indignarmos com o fenômeno mais amplo da captura ou privatização do patrimônio público que ocorre todos os dias no país? Uma resposta a essa pergunta seria a de que os espíritos conservadores estão preocupados em resguardar seu valor maior -o princípio da ordem-, que estaria sendo ameaçado pelo desrespeito à propriedade.
Enquanto o leitor pensa nessa questão, que talvez favoreça o MST, tenho outra pergunta igualmente incômoda, mas, desta vez, incômoda para o outro lado: por que os economistas que criticam a suposta superioridade da grande exploração agrícola e defendem a agricultura familiar com os argumentos de que ela diminui a desigualdade social, aumenta o emprego e é compatível com a eficiência na produção de um número importante de alimentos não realizam estudos que demonstrem esse fato?
A resposta a essa pergunta pode estar no Censo Agropecuário de 2006: embora ocupe apenas um quarto da área cultivada, a agricultura familiar responde por 38% do valor da produção e emprega quase três quartos da mão de obra no campo.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, nesta Folha listou esses fatos e afirmou que uma "longa jornada de lutas sociais" levou o Estado brasileiro a reconhecer a importância econômica e social da agricultura familiar. Pode ser, mas ainda não entendo por que bons economistas agrícolas não demonstram esse fato com mais clareza. Essa demonstração não seria tão difícil -e talvez ajudasse minhas queridas amigas a não se indignarem tanto com as laranjeiras.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994". Internet: www.bresserpereira.org.br
Publicado no dia 19/10/2009 no jornal que disse que a dita foi branda.
Comentário: Se tivesse visto o depoimento do Bresser na TV, apostaria meu dedo mindinho que se tratava de montagem. Saravá!
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Por que não nos indignamos com a captura do patrimônio público que ocorre todos os dias em nosso país?
HÁ UMA semana, duas queridas amigas disseram-me da sua indignação contra os invasores de uma fazenda e a destruição de pés de laranja. Uma delas perguntou-me antes de qualquer outra palavra: "E as laranjeiras?" -como se na pergunta tudo estivesse dito.
Essa reação foi provavelmente repetida por muitos brasileiros que viram na TV aquelas cenas. Não vou defender o MST pela ação, embora esteja claro para mim que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é uma das únicas organizações a, de fato, defender os pobres no Brasil. Mas não vou também condená-lo ao fogo do inferno. Não aceito a transformação das laranjeiras em novos cordeiros imolados pela "fúria de militantes irracionais".
Quando ouvi o relato indignado, perguntei à amiga por que o MST havia feito aquilo. Sua resposta foi o que ouvira na TV de uma das mulheres que participara da invasão: "Para plantar feijão". Não tinha outra resposta porque o noticiário televisivo omitiu as razões: primeiro, que a fazenda é fruto de grilagem contestada pelo Incra; segundo, que, conforme a frase igualmente indignada de um dos dirigentes do MST publicada nesta Folha em 11 deste mês, "transformaram suco de laranja em seres humanos, como se nós tivéssemos destruído uma geração; o que o MST quis demonstrar foi que somos contra a monocultura".
Talvez os dois argumentos não sejam suficientes para justificar a ação, mas não devemos esquecer que a lógica dos movimentos populares implica sempre algum desrespeito à lei. Não deixa de ser surpreendente indignação tão grande contra ofensa tão pequena se a comparamos, por exemplo, com o pagamento, pelo Estado brasileiro, de bilhões de reais em juros calculados segundo taxas injustificáveis ou com a formação de cartéis para ganhar concorrências públicas ou com remunerações a funcionários públicos que nada têm a ver com o valor de seu trabalho.
Por que não nos indignarmos com o fenômeno mais amplo da captura ou privatização do patrimônio público que ocorre todos os dias no país? Uma resposta a essa pergunta seria a de que os espíritos conservadores estão preocupados em resguardar seu valor maior -o princípio da ordem-, que estaria sendo ameaçado pelo desrespeito à propriedade.
Enquanto o leitor pensa nessa questão, que talvez favoreça o MST, tenho outra pergunta igualmente incômoda, mas, desta vez, incômoda para o outro lado: por que os economistas que criticam a suposta superioridade da grande exploração agrícola e defendem a agricultura familiar com os argumentos de que ela diminui a desigualdade social, aumenta o emprego e é compatível com a eficiência na produção de um número importante de alimentos não realizam estudos que demonstrem esse fato?
A resposta a essa pergunta pode estar no Censo Agropecuário de 2006: embora ocupe apenas um quarto da área cultivada, a agricultura familiar responde por 38% do valor da produção e emprega quase três quartos da mão de obra no campo.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, nesta Folha listou esses fatos e afirmou que uma "longa jornada de lutas sociais" levou o Estado brasileiro a reconhecer a importância econômica e social da agricultura familiar. Pode ser, mas ainda não entendo por que bons economistas agrícolas não demonstram esse fato com mais clareza. Essa demonstração não seria tão difícil -e talvez ajudasse minhas queridas amigas a não se indignarem tanto com as laranjeiras.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994". Internet: www.bresserpereira.org.br
Publicado no dia 19/10/2009 no jornal que disse que a dita foi branda.
Comentário: Se tivesse visto o depoimento do Bresser na TV, apostaria meu dedo mindinho que se tratava de montagem. Saravá!
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Camilices
Cena 1: estávamos na Fnac, em busca de um presente para o meu pai, que fazia aniversário. Depois de ter se encantado com várias coisas, Camiloca me pergunta:
- Papai, você compra pra mim?
- Hoje não, filha. O aniversário é do vovô.
- Mas é tão legal, papai...
- Filha, se eu comprar, não sobrará dinheiro para o presente do vovô.
Ela pensou alguns instantes e decretou:
- Tive uma idéia. Você compra um presente baratinho para o vovô, assim sobrará dinheiro para comprar o meu também...
Comprei, é claro.
Cena 2: Kaká, Camila e eu no sofá. Do nada, Camila diz:
- Papai, a Kaká nunca vai se separar de você.
- Por que, filha?
- Ela me ama muito...
Cena 3: Camila pega uma almofada,acomoda-se no meio da sala, no chão, e começa a meditar.
-Ooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooommmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm. Que acabem com a sujeira na Terra. Oooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooommmmmmmmmm. Que todas as pessoas tenham casa e sejam mais ou menos ricas. Ooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooommmmmmmmmmm. Que minha mãe arrume um namorado. Oooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooommmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm. Que meu pai possa me carregar no colo de novo.
Comentário: depois que uma monstruosa hérnia de disco comprimiu meu nervo ciático, me deixando fora de combate durante meses, o médico decretou que eu não deveria, em hipótese alguma, carregar peso.
Cena 4: atordoado com a tagarelice da Camila, apelei:
- Filha, vamos fazer uma brincadeira? Vamos ver quem consegue ficar mais tempo em silêncio?
- Nossa, papai, minha mãe adora essa brincadeira...
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Querem acabar com o Nosferatu
O almoço foi servido, mas ele devolveu a bandeja intocada. O chefe da segurança quis saber se havia algum problema com a comida. "Muito alho", disse Serra. "Já falei um milhão de vezes e ainda me mandam coisa com alho."
Trecho de "entrevista" concedida pelo governador de São Paulo a uma revista que tem o nome de um estado brasileiro bem pobre.
Instintos primitivos
Aqueles latidos o enlouqueciam há meses. Saltava da cama às 7h20, hipnotizado pela sinfonia canina. Caminhava até a janela ruminando palavrões e, enquanto retirava a remela dos olhos, amaldiçoava a nona geração daquela rotunda senhora.
Preparava o café da manhã mergulhado em pensamentos contraditórios: um novo bilhete exigindo providências? Uma ação judicial? Não, há tantas coisas mais importantes com as quais temos de nos ocupar. Além disso, um viralatas não costuma viver mais de 15 anos. A resposta da justiça viria antes disso? Ele mesmo não imaginava viver mais 15 anos.
Trabalhava em casa, e sempre que os latidos roubavam sua concentração, passava a arquitetar planos mirabolantes. Em geral, as “soluções” imaginadas tinham requintes de crueldade, mas na maior parte das vezes eram simplesmente bizarras. Meses de latidos ininterruptos tinham despertado seus instintos mais primitivos. Sonhava com o silêncio, mas queria vingança como compensação pelo desequilíbrio gerado – ou exacerbado.
Pensou em veneno. Não, jamais envenenaria os pobres cães, tão vítimas quanto ele do descaso de seus donos. Imaginava aquela mulher gorda agonizando enquanto engolia avidamente bombons “enriquecidos”.
Tarde da noite, já na cama, colocava de lado o livro que tentava ler e se punha de pé, com o firme propósito de descer de cuecas até a maldita casa, arrombar os portões e promover a libertação de todos os oprimidos.
- Basta! Chega de martírio!, bradaria diante de olhares atônitos e das luzes das viaturas de polícia.
Numa tarde modorrenta de novembro, refugiou-se no lavabo, o local da casa menos suscetível aos latidos. Num livro de citações, leu a seguinte frase: “falta de ética é aquilo que os outros fazem de errado”. Pegou na prateleira de remédios dois cotonetes e perfurou os próprios tímpanos.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Ontem, hoje e amanhã
Vai, Carlos, ser gauche na vida
O helicóptero abatido pelo tráfico chocou os neobossanovistas, que ainda estavam em êxtase com a escolha da "Cidade Maravilhosa" como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
Injuriadas, as autoridades que patrocinaram o lobby olímpico vociferaram:
- a segurança dos turistas estará garantida nas Olimpíadas. Meia dúzia de marginais não estragará a festa.
Como assim, companheiros? Tinha gente morrendo aos montes quando vocês se lançaram nessa aventura estapafúrdia. Tem gente morrendo hoje. Centenas de brasileiros morrerão até 2016. Fodam-se os turistas, foda-se o "aumento da nossa autoestima".
Somos um país de merda! Graças ao delírio de meia dúzia (nesse caso é meia dúzia mesmo) de picaretas - que encherão as burras de grana -, deixaremos de investir em esgoto, habitação, saúde, educação e SEGURANÇA PÚBLICA para promover a "confraternização dos povos".
Olímpico, de verdade, é o imobilismo do povo de Pindorama. Como diria o Chico, "te perdôo por te trair".
Amizade não é network!
"As pessoas não querem escutar, só querem falar. Depois de muita observação, classifiquei cinco tipos básicos de surdos. Há aqueles que só falam e pronto. Emendam um assunto no outro. Fico prestando atenção para detectar quando respiram e não consigo. Acho que inventaram um jeito de falar sem respirar. E ganhariam mais dinheiro se entrassem em algum concurso de tempo sem oxigênio embaixo d’água. Aí, pelo menos, ficariam quietos por um momento.Existem aqueles que falam e falam e, de repente, percebem que deveriam perguntar alguma coisa a você, por educação. Perguntam. Mas quando você está abrindo a boca para responder, já enveredaram para mais algum aspecto sobre o único tema fascinante que conhecem: eles mesmos.Há aqueles que fingem ouvir o que você está dizendo. Você consegue responder. Mas, quando coloca o primeiro ponto final, percebe que não escutaram uma palavra. De imediato, eles retomam do ponto em que haviam parado. E não há nenhuma conexão entre o que você acabou de dizer e o que eles começaram a falar.Existem aqueles que ouvem o que você diz, mas apenas para mostrar em seguida que já haviam pensado nisso ou que sabem mais do que você, o que é só mais um jeito de não escutar.Há ainda os que só ouvem o que você está dizendo para rapidamente reagir. Enquanto você fala, eles estão vasculhando o cérebro em busca de argumentos para demolir os seus e vencer a discussão. Gostam de ganhar. Para eles, qualquer conversa é um jogo em que devem sempre sair vitoriosos. E o outro, de preferência, massacrado. Só conhecem uma verdade, a sua. E não aprendem nada, por acreditarem que ninguém está à altura de lhes ensinar algo.É claro que há um mix das várias espécies de surdos. E devem existir outras modalidades que você deve ter detectado, e eu não. O fato é que vivemos num mundo de surdos sem deficiência auditiva. E uma boa parte deles se queixa de solidão.É um mundo de faladores compulsivos o nosso. Compulsivos e auto-referentes."
Trecho de texto da jornalista Eliane Brum. Íntegra no Cravo e Canela, da petropolitana Gabi
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Que se cuidem os infiéis
Por Gilberto Nascimento
Um novo coronelismo eletrônico começa a tomar corpo no Brasil. Ele se espelha na velha estratégia de associar o controle dos meios de comunicação ao poder político, à moda de clãs como os Sarney, no Maranhão, e os Magalhães, na Bahia. Com uma diferença: os movimentos têm como pano de fundo a fé religiosa.
Nunca antes grupos – sejam evangélicos, sejam católicos – acumularam tanta influência na mídia. E nunca trabalharam tão claramente para eleger diretamente deputados, senadores e governadores ou apoiar candidatos identificados com suas ideias e projetos, que incluem a oposição ao aborto e à união homossexual, para citar dois casos no campo dos direitos civis.
Leia a íntegra no site da Carta Capital
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Teatro do bom: Rock'n'Roll, de Tom Stoppard
Otavio Augusto está perfeito no papel de um velho comunista
O espetáculo não é um musical, mas se vale do rock’n’roll como ferramenta indispensável para contar uma história sobre a desestruturação do comunismo no leste europeu. Concebida por Tom Stoppard, a trilha desfila clássicos de Rolling Stones, Velvet Underground, Beatles, John Lennon, Bob Dylan, Syd Barrett, Doors, Pink Floyd, Beach Boys, Guns’n’Roses, Grateful Dead, U2, além da banda The Plastic People of the Universe, grupo de rock que surgiu em Praga em 1968, e acabou se tornando um símbolo da resistência ao regime comunista. Rock'n'Roll se passa entre os anos de 1968 e 1990, sob uma dupla perspectiva: em Praga, na república Tcheca, onde uma banda de Rock (The Plastic People of the Universe) aparece para simbolizar a resistência ao regime autoritário comunista; e em Cambridge, na Inglaterra, onde as questões do amor e da morte definem as vidas de três gerações da família de um filósofo marxista.
Autor: Tom Stoppard.
Direção: Felipe Vidal e Tato Consorti.
Com: Otavio Augusto, Thiago Fragoso, Gisele Fróes, Bianca Comparato, Adriano Saboya, Luciana Borghi, Carol Condé, Christian Landi, Mariana Vaz e José Karini.
Duração: 3h. Intervalo de 10 minutos.
Local: Sesc Pinheiros -Teatro Paulo Autran.
O espetáculo não é um musical, mas se vale do rock’n’roll como ferramenta indispensável para contar uma história sobre a desestruturação do comunismo no leste europeu. Concebida por Tom Stoppard, a trilha desfila clássicos de Rolling Stones, Velvet Underground, Beatles, John Lennon, Bob Dylan, Syd Barrett, Doors, Pink Floyd, Beach Boys, Guns’n’Roses, Grateful Dead, U2, além da banda The Plastic People of the Universe, grupo de rock que surgiu em Praga em 1968, e acabou se tornando um símbolo da resistência ao regime comunista. Rock'n'Roll se passa entre os anos de 1968 e 1990, sob uma dupla perspectiva: em Praga, na república Tcheca, onde uma banda de Rock (The Plastic People of the Universe) aparece para simbolizar a resistência ao regime autoritário comunista; e em Cambridge, na Inglaterra, onde as questões do amor e da morte definem as vidas de três gerações da família de um filósofo marxista.
Autor: Tom Stoppard.
Direção: Felipe Vidal e Tato Consorti.
Com: Otavio Augusto, Thiago Fragoso, Gisele Fróes, Bianca Comparato, Adriano Saboya, Luciana Borghi, Carol Condé, Christian Landi, Mariana Vaz e José Karini.
Duração: 3h. Intervalo de 10 minutos.
Local: Sesc Pinheiros -Teatro Paulo Autran.
As vacas não reencarnam
Um filme maravilhoso: O Visitante
Walter, solitário professor universitário, tem 62 anos e já não encontra prazer na vida. Ao viajar a Nova York para uma conferência, encontra o casal Tarek e Zainab, imigrantes sem documentos, morando em seu apartamento. Eles não têm para onde ir, e Walter acaba deixando que fiquem. Para retribuir, o talentoso Tarek ensina Walter a tocar o tambor africano e os dois ficam amigos. Quando a polícia prende o jovem e decide deportá-lo, Walter faz de tudo para ajudá-lo, com uma garra que há muito não sentia. Surge então a mãe de Tarek em busca do filho e um improvável romance tem início.
Comentário: interpretações maravilhosas de Richard Jenkins (indicado ao Oscar pelo papel) e da charmosa atriz palestina Hiam Abbass, que também está ótima em Lemon Tree.
O filme é tocante por sua simplicidade, e ao mesmo tempo nos leva a pensar em algo crucial: o propósito de nossas vidas. O final me fez lembrar de Noites de Cabíria.
Fonte
Crítica do Merten
Trailer
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Sugestão de Olímpico de Jesus aos magistrados de São Sebastião do Rio de Janeiro
Se eu fosse um juiz do Rio de Janeiro estaria radiante com as Olimpíadas Cariocas. Explico. Se caísse um processo na minha mesa de um cara que precisa fazer quimioterapia, mas seu tumor está crescendo porque o aparelho do hospital público está quebrado, eu mandaria congelar a grana dos "jogos" para comprar um aparelho novo.
Se um cara precisasse fazer um transplante urgente - a fila não acabaria antes da sua vida -: eu confiscaria a grana dos "jogos" e acabaria com a fila inteira.
Um cara descobriu que há um novo antiretroviral mil vezes melhor que o fornecido pelo SUS, mas o governo não quer pagar? Mandaria sacar a grana na boca do caixa dos "jogos".
Afinal: ÉEeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee do Brasiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiil!
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Rico ri à toa
O milionário imortal Carlos Heitor Cony, que abocanhou R$ 1 milhão da viúva por se dizer vítima da ditadura brasileira (enquanto famílias de militantes mortos receberam R$ 100 mil), anda rindo à toa.
Em seu programete na CBN, no qual discute "questões latentes" com Heródoto Barbeiro e Artur Xexéo, o imortal profetizou:
- hoje vai ter festa em Copacabana. Se o Rio for escolhido como sede das Olimpíadas, o povo vai beber para comemorar. Se não for, beberá para esquecer.
- todos estão torcendo pelo Rio. Não há um brasileiro que não esteja torcendo pela cidade (eu não estou, imortal!!!).
- o Rio tem problemas de segurança, sim. Mas Chicago já teve Al Capone. Já teve a lei seca.
E há quem diga que dinheiro não traz felicidade...
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Assinar:
Postagens (Atom)