sexta-feira, 31 de julho de 2009

O Quereres - Caetano Veloso

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rockÂ’n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Camilices: Entender o feminino



A manutenção dos belos cachos da Camila é uma tarefa hercúlea, que exige muito creme e movimentos vigorosos com o pente.
Invariavelmente ela reclama, e no domingo foi taxativa:
- Papai, pode deixar que eu vou pentear meu cabelo sozinha!
Concordei, mas certo de que ela não daria conta da tarefa.
Para minha surpresa, nos primeiros movimentos ela demonstrou desenvoltura e minutos depois, com movimentos delicados, havia domado a vasta cabeleira.
Ainda surpreso, comentei:
- Filha, você fez um ótimo trabalho!
- É que você é homem, papai. E os homens precisam entender o feminino. Ou melhor, o "fecriança".
Acho que ela tem razão...

Bizarro, grotesco

Escola na África protege albinos de serem mortos e vendidos por até US$ 4.000

Nyiabe Hamisi, 14, diz que vive duplamente escondido na Tanzânia.
Primeiro, porque ele é albino e tem que afastar sua pele sem pigmentação do sol africano.
Segundo, porque mora no internato Mitindo, que é cercado por arame farpado e vigiado por dois guardas, dia e noite.
A segurança não é para impedir os alunos de gazetear aula, e sim para evitar que morram.
É que, no país, o cadáver de um albino vale até US$ 4.000 (cerca de R$ 7.600) -a renda média anual lá é de US$ 300.
Sangue, pés, mãos, cabelos e genitais de albinos são usados em poções mágicas que trazem sorte, reza uma crença antiga.
Para banir a tradição, o governo cassou a autorização de prática de todos os feiticeiros.
Mas a medida não foi eficaz: nos últimos dois anos, 60 albinos foram mortos, em números oficiais. Metade deles, teens.
Para protegê-los, a escola, construída em 1967 para 40 alunos cegos, virou um refúgio para albinos menores de idade.
Atualmente, são 101 albinos e mais 42 deficientes no casarão. A superlotação obriga que cada cama sirva a três alunos, diz Lacchius Solemon, professor da escola e intérprete na conversa entre Nyiabe e o Folhateen.
"Sinto-me caçado todo o tempo", diz o garoto, que viu sua irmã, também albina, ser assassinada por bandidos em sua vila, antes de ir para o colégio.
"Para ajudar de longe, temos de assinar uma petição para pressionar o governo local", diz Peter Ash, da ONG Under the Same Sun (Sob o Mesmo Sol), que luta pelo fim da prática vil. Para assinar, acesse: underthesamesun.com

Fonte

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Projeto resgata samba paulista em 12 discos


Figura Lendária do samba paulistano, Toniquinho Batuqueiro compôs sambas e atuou em escolas como Rosas de Ouro e Unidos do Peruche. Aos 80 anos, lança seu primeiro disco solo.


Por alguma perversidade histórica, quase sempre que se refere ao samba feito em São Paulo, palavras como "túmulo", "injustiçado", "obscuro" ou "desprezado" vêm enganchadas na mesma frase. Na melhor das hipóteses, fala-se em "resistência" ou "resgate".
A série "Memória do Samba Paulista" trata desse segundo caso. Em 12 CDs -quatro deles já nas lojas (veja quadro), os outros a ser lançados em duas levas, no ano que vem-, registra material inédito ou pouco conhecido de compositores paulistas ligados aos primórdios do gênero, antes de o formato carioca dominar a cena por aqui. Dedicados ao compositor Toniquinho Batuqueiro, à Velha Guarda da Unidos do Peruche e aos grupos Embaixada do Samba Paulistano e Tias do Samba Paulista, os quatro primeiros CDs ganham, a partir de hoje, seus respectivos shows no Sesc Santana.
O músico Renato Dias, 38, que concebeu o projeto junto com T. Kaçula e Guga Stroeter, lembra que, originalmente, a manifestação do samba paulista não tem a ver com escolas de samba, mas com os cordões carnavalescos.
"Na década de 60, por uma fragilidade de quem estava no comando, copiou-se o modelo do Rio", diz. "Foi Faria Lima, um prefeito carioca que governou São Paulo a partir de 1965, que determinou que só investiria no nosso carnaval se ele imitasse o do Rio de Janeiro." Dias integra o Kolombolo Diá Piratinga, grêmio recreativo que se dedica, desde 2002, a preservar a cultura tradicional do samba paulista.

Urgência
O projeto dos CDs começou a ser gravado em 2005, menos de seis meses após a primeira reunião de seus idealizadores. Foi bancado pela ONG Sambatá, da qual Stroeter é presidente. "Era urgente. Esses compositores já estão em idade avançada e não dava tempo de pensar em Lei Rouanet ou projetos que precisassem ser aprovados", diz Dias. "Mesmo com essa pressa, perdemos grandes nomes durante o processo, como Mestre Feijoada, Dona Zefinha, Hélio Bagunça, Valter Cardoso, Denise Camargo e Xangô da Vila Maria."
Denise Camargo chegou a gravar seu álbum para a série. Xangô da Vila Maria, não. Morreu duas semanas depois de selecionar o repertório daquele que seria seu disco de estreia, aos 85 anos. As canções do artista estarão no CD dedicado à Velha Guarda da Vila Maria, sua escola do coração.
Os próximos volumes da série são dedicados aos veteranos Tio Mário da Santa Maria, Ideval Anselmo e Zelão, Denise Camargo, João Borba e às velhas guardas das escolas Rosas de Ouro, Nenê de Vila Matilde, Vai-Vai e Unidos de Vila Maria. "Todos os discos já estão gravados", diz Dias. "Somos a Motown do samba paulista."

MEMÓRIA DO SAMBA PAULISTA

Quando: de hoje a sáb., às 21h; dom., às 19h30
Onde: Sesc Santana (av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 0/xx/11/2971-8700)
Quanto: R$ 4 a R$ 16
Classificação: 12 anos

Fonte

quarta-feira, 22 de julho de 2009

"Um país se faz com homens e livros" - M. Lobato

Vida de inseto

No último sábado (18/07) a Mosca publicou um "editorial" tão suíno quanto a gripe, nitidamente ditado pela febraban, defendendo a tese de que os bancos quebrarão - ou repassarão a conta para a viúva - se tiverem de restituir o dinheiro tungado dos poupadores nos planos econômicos.

O "editorial" da Mosca foi publicado uma semana depois de outra manobra grotesca dos bancos - felizmente inócua. Aproveitando-se das férias do STJ, a turma da febraban tentou jogar a decisão acerca da liminar que deixaria os poupadores - que aguardam há 20 anos - a ver navios no colo de Gilmar Mendes, certos que que contariam com a compreensão do magnânimo presidente do Supremo.

Gilmar negou a liminar, e os camaradas banqueiros voltaram a trabalhar via assessoria de imprensa. A Mosca foi a primeira a pousar no excremento, como era de se esperar. ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ!



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No domingo(19/7)a Mosca, a serviço de outros patrocinadores, emplacou outra bizarrice, com direito a chamada na capa. Segundo o jornalão, o H1N1 fará um estrago três vezes maior que o causado pela devastadora Gripe Espanhola. ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ!

Gripe pode afetar até 67 milhões de brasileiros em oito semanas

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A pandemia de gripe provocada pela nova variante do vírus A H1N1 poderá atingir entre 35 milhões e 67 milhões de brasileiros ao longo das próximas cinco a oito semanas. De 3 milhões a 16 milhões desenvolverão algum tipo de complicação a exigir tratamento médico e entre 205 mil e 4,4 milhões precisarão ser hospitalizados.
Esses cenários estão na terceira versão do documento "Plano Brasileiro de Preparação para uma Pandemia de Influenza", publicado em abril de 2006 pelo Ministério da Saúde. Trata-se de um modelo matemático estático criado por epidemiologistas com base no perfil de pandemias anteriores.

Leia a íntegra da "Guerra dos Mundos" da Mosca

terça-feira, 21 de julho de 2009

Versos Íntimos - Augusto dos Anjos (Para a companheira Beth)


Arte: Tide Hellmeister

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão —esta pantera—
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

+ Glauber Rocha - O enterro de Di Cavalcanti

+ Glauber Rocha - O enterro de Di Cavalcanti (Parte 2)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Camilices: A casa caiu


Há alguns meses viajamos com a Camila para a praia. Ficamos na casa de uns tios, que recentemente se separaram.
No final de semana a Camila perguntou quando iríamos para a casa da praia novamente.
- Xiiiii, filha... a casa caiu - respondi.
- Caiu, papai?
- É, filha, os tios que eram donos da casa se separaram e como eles brigaram, nós não poderemos mais ir para lá.
Ela ficou nitidamente desapontada, e perguntou:
- Mas a casa caiu, papai?

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Simão e o país da piada pronta

O Macaco Simão descobriu que o pai do ex-diretor do Senado que operacionalizou os atos secretos e demais trambiques para os 81 picaretas de plantão era um gozador:
Agaciel, ao contrário, é LEI CAGA.
O homem não poderia desapontar o pai, não é mesmo?

terça-feira, 14 de julho de 2009

Do baú: Memória Roda Viva

Memória Roda Viva oferece acesso às transcrições integrais das entrevistas realizadas pelo Roda Viva nos últimos 22 anos, além de um trecho de vídeo do programa e verbetes informativos.

Quase quatrocentas das principais entrevistas estão disponíveis para consulta e pesquisa.

Darcy Ribeiro - 1995

+ Darcy: Discurso no enterro de Glauber Rocha

Ateus, saiam do armário!

Por Idelber Avelar

O Biscoito Fino e a Massa combate as falsas simetrias desde outubro de 2004. Outro dia, numa mesa de bar, tive que ouvir a velha história de que “machismo” e “feminismo” são duas coisas idênticas; de que as mulheres deveriam abandonar essa história de feminismo porque ... afinal de contas, somos todos seres humanos! Uma amiga querida, feminista, encarregou-se de explicar o óbvio: que o machismo é a justificativa ideológica de uma opressão milenar, que subjuga as mulheres, relega-as à condição de serventes, e que o feminismo representa a luta por uma sociedade em que todos tenhamos os mesmos direitos-- uma sociedade em que as mulheres possam, por exemplo, legislar sobre seu próprio útero. Daí, a conversa da nossa interlocutora descambou para a discussão do racismo, onde ela de novo repetia a ladainha de que uma camisa 100% negro e uma camisa 100% branco representavam coisas igualmente reprováveis, como se não tivesse havido aquele pequeno detalhe chamado escravidão.

Está em curso uma perigosa tendência a silenciar os ateus. O argumento – calhorda, cafajeste, ignorante – é que cada vez que um ateu sai do armário, se assume como tal e começa, a partir dali, a articular publicamente suas razões para ser ateu, ele está repetindo, mimetizando, reproduzindo a doutrinação evangélica com a qual somos bombardeados todos os dias. Cada vez que os ateus começamos a falar publicamente sobre essa mais óbvia e razoável das escolhas vem alguém nos acusar de ... estar querendo evangelizar os outros!

Dá pra imaginar uma simetria mais falsa?

Uma pesquisa recente, da Fundação Perseu Abramo, mostra que os ateus representamos o grupo social mais discriminado socialmente. Mais que negros. mulheres, travestis, gays, lésbicas. Mais, até mesmo, que transsexuais. Eu não estou dizendo que a discriminação cotidiana que sofre, por exemplo, um ateu branco, é comparável à que sofre um negro de qualquer crença. Não é. Não é, em primeiro lugar, porque ser negro e, até certo ponto, ser gay, são coisas impossíveis de se esconder. Ser ateu, não. Mas se você perguntar a um brasileiro em qual membro de grupo social ele não aceitaria votar de jeito nenhum, os ateus estamos, disparados, em primeiro lugar. Vivemos ainda nesse estranho regime que associa a moralidade à crença religiosa, como se existisse alguma relação entre religiosidade e comportamento moral, como se não soubéssemos nada sobre a lambança feita pelos padres com as crianças e adolescentes – para não falar dos séculos de lambança obscurantista e anticientífica promovida pelas religiões.

A crítica que ouço por aí a Richard Dawkins – que ele está liderando um movimento ateu que tem caráter evangelizante, doutrinador, e que portanto ele acaba se parecendo a um crente – é de uma burrice digna de um cristão. Nós passamos séculos em que os ateus não tínhamos sequer o direito de falar na esfera pública enquanto tais. Nós vivemos num mundo onde professores são despedidos por serem ateus; adolescentes recebem suspensão na escola por serem ateus; políticos que se declaram ateus têm pouquíssimas chances de serem eleitos. Essa mais razoável e óbvia das conclusões filosóficas – a de que o mundo não foi criado por nenhum ser onipotente – ainda é motivo de perseguição severa para qualquer um que a abrace.

Apesar do caráter laico da República Federativa do Brasil, garantido na nossa constituição, as religiões ainda gozam desses estranhos privilégios: não pagam impostos, por exemplo. A pior parte é que elas podem dar palpite em absolutamente tudo -- desde o currículo escolar até o útero alheio – mas, no momento em que são questionadas, o debate é silenciado com aquele mais cretino dos argumentos, ah, tem que respeitar minha religião.

Entendam o ponto de vista d' O Biscoito Fino e a Massa sobre isso: tem que respeitar religião porra nenhuma. Tem que acabar com essa história de que, todas vezes que apontamos a misoginia, a homofobia, os estupros de crianças, a guerra anticiência, os séculos de lambança obscurantista, sempre aparece alguém para dizer "ah, tem que respeitar minha religião".

Ideias não foram feitas para serem "respeitadas". Ideias foram feitas para serem debatidas, questionadas, copiadas, circuladas, disseminadas, combatidas e defendidas, parodiadas e criticadas. De preferência com argumentos. Seres humanos merecem respeito. Pregação contra o que seres humanos são, por sua própria essência e identidade (gênero, raça, orientação sexual) não pode ser confundida com sátira antirreligiosa. A maioria dos carolas adora confundir sátira antirreligiosa com ataque misógino ou homofóbico. Não entendem que sua superstição é, essa sim, uma opção.

As três famílias que chamo de minhas – a sanguínea, a de meu amor e a da mãe de meus filhos, todas elas majoritamente católicas – são testemunhas de que jamais invadi um ritual religioso deles para fazer sátira, questionar o que quer que seja ou tentar converter quem quer que seja. O ritual acontece no espaço privado – que é onde ele tem o direito constitucional de acontecer – sem que eu jamais o desrespeite. Mas isso não é porque eu “respeito a religião”. Isso é porque eu os respeito, como pessoas. Tenho a opção de acompanhar o ritual em silêncio ou afastar-me porque, afinal de contas, são três famílias maravilhosas.

Entendam: o debate na esfera pública são outros quinhentos. E, neste debate, nós chegamos para ficar. Ateus, saiam do armário. Sem medo. É muito melhor.

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